sábado, 29 de dezembro de 2012

A Noite Escura da Alma - I



Até parece que sou um místico; até parece que sou um cristão fiel e praticante, devoto de San Juan de la Cruz... Não é bem assim: quanto ao cristianismo, penso que é bom e verdadeiro em essência, independente de religiões estabelecidas e organizadas. O advento do Cristo inaugurou a ideia de redenção: antes a vida era efêmera e a morte eterna (menos para os príncipes e rabinos) – depois os pecados estavam redimidos, nenhuma culpa era tão grande que não pudesse alcançar perdão, os que tinham fome e sede de justiça foram saciados, a adúltera foi perdoada porque ninguém ousou atirar a primeira pedra e o bom ladrão tomou assento junto ao Pai e ao Filho naquela mesma noite.
Já San Juan de la Cruz era espanhol, monge e um poeta intenso e profundo... Menos pelo monge, me identifico com os outros atributos – não que eu seja espanhol, mas tenho o sangue; também não tenho a pretensão de ser intenso e profundo, mas sou poeta à minha própria maneira...
Faltam 2 dias para terminar 2012, o ano em que o mundo iria acabar. Ainda hoje, andando pelas ruas de Curitiba e pensando na vida, especialmente numa sequência de acontecimentos que se iniciaram por volta de 2000 e acabaram por determinar minha vida subsequente, ocorreu-me a expressão “Noite Escura da Alma”... Eu tinha (e ainda tenho) um entendimento pessoal sobre o significado dessa expressão, mas, assim que foi possível digitei-a no buscador do Google e esperei os resultados. Eu não estava pensando em cristianismo nem em San Juan de la Cruz, mas sim na aventura (se é que se pode chamá-la assim) que vivi na última década, quando me pareceu que o Universo era um vazio destituido de sentido e propósito, que tanto fazia, assim como tanto faz ou tanto fez...

abre parênteses

(essa aventura/desventura será narrada no momento oportuno, com cuidado e delicadeza, muito embora tudo tenha começado com um tranco violento, traiçoeiro e inesperado, sem nenhuma delicadeza ou cuidado que, até que eu entenda melhor – ou me seja devidamente explicado – foi exatamente isto: uma agressão traiçoeira e injustificada, perpetrada por alguém a quem eu amava, que entardeceu minha alma e fez baixar a noite escura sobre ela)...

fecha parênteses

... O Google me devolveu San Juan de la Cruz e A Noite Escura da Alma que ele escreveu e apresentou como “Canções da alma que se alegra de haver chegado ao alto estado da perfeição, que é a união com Deus, pelo caminho da negação espiritual.”
Não é exatamente o caso. Minha noite escura ainda não acabou, embora já se possam ver uns raios de sol despontando no horizonte, e eu, por um lado, não pretendo o “alto estado de perfeição” (ser simplesmente humano já é bem legal) nem tenho certeza sobre Deus – mas a perspectiva de que uma década ou pouco mais me sentindo culpado, perdido, ferido e humilhado foi, por outro lado, a caminhada difícil para um estado superior de existência, quase alivia as dores, quase faz esquecer as sequelas. Mas o caminho ainda não acabou... Parece que, quando a gente vê que o dia está para raiar é que começam as verdadeiras possibilidades de caminhada. Momentos antes disto, a madrugada é mais escura, mais fria e solitária, e parece que a noite nunca mais vai acabar.
  
Canção da Alma

Em uma noite escura,
de amor em vivas ânsias inflamada
(¡oh! ditosa ventura!)
saí sem ser notada,
já minha casa estando sossegada

Na escuridão, segura,
pela secreta escada, disfarçada,
(¡oh! ditosa ventura!
na escuridão, velada,
já minha casa estando sossegada.

Em noite tão ditosa,
e num segredo em que ninguém me via,
nem eu olhava coisa, Sem outra luz nem guia
além da que no coração me ardia.

Essa luz me guiava,
com mais clareza que a do meio-dia
aonde me esperava
quem eu bem conhecia,
em sítio onde ninguém aparecia.

¡Oh! noite que me guiaste,
¡oh! noite mais amável que a alvorada
¡oh! noite que juntaste
amado com amada,
amada já no Amado transformada!

Em meu peito florido
que, inteiro, para Ele só guardava
quedou-se adormecido,
e eu, terna, O regalava,
e dos cedros o leque O refrescava.

Da ameia a brisa amena,
quando eu os seus cabelos afagava
com sua mão serena
em meu colo soprava,
e meus sentidos todos transportava.

Esquecida, quedei-me,
o rosto reclinado sobre o Amado;
tudo cessou. Deixei-me,
largando meu cuidado
por entre as açucenas olvidado.

Assim, anos depois de ter sido aberto e de aquela capa ter sido colocada ali acima, este blog começa a funcionar de verdade, imaginando que a vida seja uma caminhada e que existe algum lugar onde chegar. Humildemente pedindo a benção para San Juan de la Cruz. Amém.

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